Crise - A dimensão humana dos anônimos
A crise econômica e política em curso normalmente é vista em números
absolutos, em estatísticas de desemprego e em valores financeiros
isolados, em que se destaca o desempenho do PIB ou por identidade
contábil da renda nacional.
Tais números frios e às vezes
inteligíveis para a população no geral, escondem dor, luta, angústia e
sofrimento por parte de milhões de pessoas, vítimas de um sistema
político que enseja uma espécie de aversão aos menos favorecidos em
algumas situações - preconceito, racismo e discriminação tomam a face do
desprezo e indiferença. Abandonados, negros, brancos e pardos, anônimos
nas estatísticas, têm em comum o fato de serem pobres e excluídos no
geral da proteção do Estado, sem diferencial de gênero ou idade.
Mulheres,
homens, adolescentes e crianças vivem em comunidades e locais
inóspitos, relegados a fi guras anônimas, como verdadeiros parias. A
rotina de todos é marcada pela negação ao acesso básico à saúde, à
educação e à formação profissional. Seres rejeitados são levados a um
convívio com situações extremas de violência diária.
Tendo sua
dignidade e existência vilipendiadas por ações de políticas públicas
incoerentes, compartilham a ausência do Estado em sua vida. Testemunhas e
vítimas diárias de elevados índices de inefi ciência na oferta de
serviços básicos, inclusive da prestação jurisdicional do sistema legal,
observam em sua rotina, sem reação, enormes quantidades de desperdícios
de recursos públicos.
Em valores percentuais do PIB, o orçamento
federal aloca recursos nas funções saúde e educação, por conta das
obrigações constitucionais, equivalentes aos encontrados em países em
que o nível de acolhimento às necessidades da população é aceitável,
segundo critérios de organismos internacionais, no atendimento à
população em termos gerais.
Então, o que justifica a existência de enorme carência e deficiência na prestação desses serviços para a população?
Certamente, a existência de graves problemas de alocação desses recursos e um grande custo de intermediação, no geral.
A
administração pública custa caro e apresenta desperdícios por conta de
procedimentos deficientes, em que os mecanismos de controle são muitas
vezes precários e apresentam baixa transparência.
A resposta
formal a essas indagações, quando objeto de análise mais elaborada sobre
o tema, termina por apresentar recomendações genéricas e, em alguns
casos, repletas de casuísmo e premissas complexas de difícil
implementação a curto prazo e médio prazo.
A falha dos governantes e a fragilidade do Legislativo
Por
que motivo, os movimentos sociais e as representações no parlamento, em
nível federal, estadual ou municipal, não atuam de forma consistente
para o encontro de meios para a reversão deste problema secular?
Deformações
na legislação eleitoral criam falsas representações e distorcem na
prática, a percepção para o eleitor de qual seriam as diferenças
fundamentais, na forma de conduzir a política e a coisa pública, entre
os partidos, como revelam os episódios mais recentes.
Partidos
políticos são, na verdade, organizações burocráticas, sendo verdadeiros
centros de captura de receitas do orçamento e laboratório para o
desenvolvimento de formas heterodoxas de acesso a vantagens espúrias,
seja pelo uso da máquina pública, pelas indicações para a ocupação de
cargos por correligionários, seja pelas práticas de benefícios a lobbies
e castas de privilegiados, o que torna o processo legislativo um grande
acerto de contas entre iguais.
No atual momento o debate
político prioritário deveria ser voltado para a melhoria na qualidade da
representação parlamentar e necessitaria ter por meta a promoção de
agendas voltadas à garantia da solvência das contas públicas, a inserção
produtiva dos excluídos, a qualidade no ensino e o desenvolvimento de
habilidades nos mais jovens, centrada na explicitação de uma agenda de
itens direcionados para a inserção competitiva do Brasil na economia
global, assim como a adoção de programas de aumento das capacitações, em
um ambiente propício aos negócios e ao empreendedorismo. Ações,
voltadas para a conquistas de ganhos de produtividade de forma
sustentável.
Como superar esse ciclo vicioso?
Outros
países conseguiram, em um espaço relativamente curto de tempo,
implantar e desenvolver estratégias de crescimento econômico e inclusão
social com grandes sucessos. A própria Europa, no período pós-guerra, a
Ásia com os modelos dos chamados “tigres”, pautando as economias em
plataformas de produção voltadas para a exportação com ganhos
expressivos de complexidade.
As décadas de 60 e 70 do século
passado mostraram que o Brasil dispunha de condições para grandes
saltos. Naquele período, o investimento público foi a alavanca do
crescimento acelerado. No entanto, o básico foi desprezado e a
complementariedade entre os fatores de produção subdimensionada. À
qualificação dos recursos humanos pela educação não foi dada
prioridade.
O momento, no entanto, revela a falência do Estado e a
impossibilidade da adoção do modelo intervencionista na retomada do
crescimento, daí a relevância da racionalização das políticas públicas
voltadas à inclusão social com a opção preferencial nos ganhos de
produtividade.
Esse deveria ser um tema relevante a ser colocado no processo eleitoral em curso.
O setor privado incorporou as ineficiências do Estado
Pesquisas
de análise do desempenho das empresas nacionais apontam para a presença
de um amplo espectro de empresas grandes, médias e pequenas operando
com elevada ineficiência. No geral, as empresas brasileiras ocupam lugar
inferior ou médio nos extratos realizados em avaliações de desempenho e
produtividade em escala mundial.
A economia brasileira, com exceção do agronegócio, é pouco competitiva e apresenta elevada ineficiência alocativa.
As
razões apontadas são múltiplas, e passam por despreparo gerencial,
deficiências na formação profissional da mão de obra, falta de crédito,
custos de capital incompatíveis com a taxa de retorno esperada,
convivência com um sistema tributário que gera cunhas e ônus à produção
e, ainda, a ausência de consistência nas políticas macroeconômicas.
Incertezas,
perda de credibilidade e debilidade fiscal arrastam empresas, setores e
arranjos produtivos à vala comum, o que proporciona a destruição de
capital físico e humano.
disponível em: Jornal do Brasil: O outro lado da moeda
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