terça-feira, 28 de abril de 2015


Ao contrário do Brasil, EUA discutem o aumento da maioridade penal




Segue o link da reportagem da Folha sobre Maioridade Penal. Em alguns estados americanos, desejam-se aumentar para 18 anos a maioridade penal.

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/04/1621320-ao-contrario-do-brasil-eua-discutem-o-aumento-da-maioridade-penal.shtml

domingo, 19 de abril de 2015


SERVIÇOS ON-LINE COMERCIALIZAM TODO TIPO DE DOCUMENTO FALSO

Oferta envolve diplomas escolares, carteira de motorista e passaporte

Por Evandro Éboli

O Globo, 19/04/2015

BRASÍLIA - Uma empresa que presta serviços para o governo e empresas privadas monitorou e identificou milhares de serviços on-line que comercializam documentos falsos. São diplomas escolares de todos os tipos — os mais comuns, os de graduação e de ensino médio — carteira de trabalho, carteira de identidade, carteira de habilitação e até passaporte. O comércio ilegal de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) está na ponta desse golpe. Foram identificados 3.143 casos de venda de CNH; 2.006 casos de venda de diplomas falsos de cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação, e 476 casos de carteira de trabalho.
Um dos sites anuncia a venda do “kit vida nova” e comercializa todos os tipos de documentação, como RG, CPF E CNH. É comum nesses anúncios a expressão “documentação quente e on-line”. Outro anúncio desse tipo aparece assim: “se você precisa com urgência comprovar escolaridade através de um diploma universitário, pós-graduação, MBA, mestrado: atuando no mercado a (sic) mais de cinco anos, nossos clientes têm utilizado nossos documentos para concursos públicos, novos empregos e promoção”. E ainda faz um alerta: “Você encontrou a solução para seus problemas. Chega de ser enganado com promessas impossíveis de serem cumpridas. Pague um preço justo e apenas quando estiver com o documento em suas mãos. Peça informações e será respondido imediatamente de forma discreta e absolutamente sem compromisso”. O preço é R$ 3.500,00.
Kacio Lopes, diretor da Axur Cyber Inspection for Safer Web, empresa que fez o monitoramento, afirmou que chama a atenção a ousadia dos golpistas e a quantidade da oferta desse tipo de comércio na rede:
— A internet não é mais só conveniência, onde se adquire produtos legais de forma rápida. Mas também virou uma gigantesca vitrine para o ilícito.
A empresa desenvolveu softwares capazes de aprofundar e filtrar esses sites. São 70 profissionais trabalhando no desenvolvimento de tecnologia e na operação. A empresa acredita que, para evitarem ser flagrados e conseguirem chegar ao público-alvo, esses golpistas usem jovens que dominam as ferramentas da internet. Seriam hackers do mal.
— Só que as pessoas acham que é impossível fiscalizar a internet. E não é. Tudo ali deixa rastro. Mas uma coisa é identificar a origem e outra é controlar o efeito dessas ações. A internet é a maior fonte de muita fraude no mundo real — afirmou Kacio Lopes.
Uma simulação de compra de vários tipos de documentos vendidos por esses sites constatou que a indústria da farsa não tem limites. O interessado fictício fez contato com o site que se apresenta como “ensino médio 300”, que vende diploma ilegal. O próprio vendedor assume se tratar de algo ilegal e que não tem garantias: “Entendo sua preocupação. Realmente é um risco, mas vamos e venhamos, toda pessoa que decide encurtar algum caminho ou burlar alguma lei corre certos tipos de riscos. Você está comprando um diploma e não um aparelho de TV. Então, se quiser mesmo fechar negócio, estamos aqui para bem atendê-lo. Mas, com relação a garantia real, não existe, pois é algo ilícito. Porém, registramos tudo certinho, de forma legal, e que não levanta nenhuma suspeita quando o mesmo for apresentado”, informou o vendedor de diploma, por e-mail.
Na simulação de contratação de serviços irregulares, foi feito ainda um contato com um site que anuncia venda de título de eleitor. A pessoa que se apresentou como assessor de um político interessado em obter mil títulos eleitorais para serem usados na próxima eleição perguntou aos operadores do site se era possível fechar o negócio. O site “Brasil Documentos” respondeu: "Onde o senhor reside? Quantos anos tem? O documento é original, constando todos os dados no Sistema do Banco de Dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Documento pode ser apresentado em qualquer local que seja solicitado sem problemas”.
Na abordagem a um site que vende carteira de trabalho, foi solicitada informação sobre garantias via o e-mail fornecido. Em resposta, o operador do site garantiu a qualidade do serviço: “Olha, nosso trabalho é sério, mexemos somente com documentos quentes. Pode apresentar para oficiais sem medo, não terá nenhum tipo de problema. Consegue fazer financiamento sem problemas. Até hoje não houve nenhum tipo de reclamação de nossos clientes”.

sábado, 18 de abril de 2015

Em Cine - Ciclo de debates - Tema: Práticas de resistência no contexto de pacificação das favelas cariocas

Toda última quarta-feira do mês será exibido um filme,
acompanhado de debate coordenado por profissional especializado.

Exibição do filme:
5x Pacificação (Brasil, 2012)
Tema:
Práticas de resistência no contexto de pacificação das favelas cariocas

Sinopse:
O documentário, dirigido por quatro moradores de comunidades, avalia a realidade das favelas cariocas após a implementação da política de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), abordando assuntos como: a vida dos moradores nas comunidades e ao redor destas, o treinamento policial e entrevistas com ex-traficantes.

Coordenação do debate:
Jessé Guimarães da Silva
Psicólogo (CRP 30.817/05); Doutor em Psicologia pela PUC-RJ; Pós- Graduando em Psicologia Clínica com ênfase em atendimento individual, familiar e de grupo/IGT; professor da Universidade Estácio de Sá e Psicólogo do Hospital Naval Marcílio Dias, da Marinha do Brasil

Data: : 29 de abril de 2015 (4ª feira)
Horário:  17:30 - 20:30
Local: UERJ, R. São Francisco Xavier, 524, Bloco D, Sala 10.030, SPA -  Maracanã
Inscrições: 10 minutos antes do evento
Informações: (21) 2334-0872 ou proadol@uerj.br

Conferimos declaração de participação

ENTRADA FRANCA - Classificação 10 anos

Apoio:
RG VÍDEO LOCADORA
Avenida 28 de Setembro, 210 – Loja 6 - Vila Isabel – RJ
Tel.: (21) 2567-5042

Realização:
Programa de Formação em Direitos da Criança e da Juventude – Pró-Adolescente
Instituto de Psicologia/SR3/ UERJ



Cartaz 1 - Em Cine abril2015 5 x Pacificação.jpg

quinta-feira, 16 de abril de 2015


‘A voz do Brasil é bastante fraca no debate mundial sobre as drogas’, diz ex-presidente da Suíça.

Membro da Comissão Global de Política Sobre Drogas, Ruth Dreifuss defende que país tire uso da esfera criminal e fique ‘mais à vontade’ nas negociações internacionais

POR 
                               



RIO - A polarização em torno das drogas enfraquece a voz do Brasil em negociações internacionais relacionadas ao tema, mesmo quando o país é comparado a outros da América Latina, avalia Ruth Dreifuss. Responsável por implantar política inovadora na Suíça - que incluiu salas de uso assistido de heroína -, a ex-presidente hoje é membro da Comissão Global de Política Sobre Drogas. Embora avalie a atuação do Brasil no debate como tímida, a economista não descarta avanços em direção à descriminalização das drogas. “Em certas sociedades, foram as cortes supremas que deram o primeiro passo. O STF poderia fazer o mesmo no Brasil”, diz Ruth, que chegou ontem ao país, onde cumprirá agenda relacionada ao assunto.




A senhora desenvolveu, na Suíça, uma política de drogas considerada inovadora. Qual a importância de quebrar paradigmas nesse assunto?

Há em inglês uma expressão curiosa: a prova do pudim está no comer. Ela quer dizer, no fundo, que você pode elaborar quantas teorias quiser, mas só vai descobrir se algo funciona mesmo testando na prática. Na Suíça, vivíamos uma crise, causada pela epidemia de Aids/HIV e pelo aumento no consumo de drogas. Isso levou o setor público em nível local e nacional a desenvolver e a apoiar novos serviços de tratamento, redução de danos e prevenção. As duas ameaças, interligadas, sensibilizavam a população o suficiente para fazê-la aceitar experimentar medidas inovadoras. Confrontados com a realidade, fomos levados a mudar nossas prioridades e a implementar um novo equilíbrio entre os diferentes lados do jogo: polícia, justiça, serviço social, profissionais da saúde etc. É preciso dizer que esses novos paradigmas surgiram de um olhar realista do problema e da luta para implementar novas respostas: uma sociedade livre de drogas é uma ilusão e é responsabilidade do Estado proteger e apoiar todos, empoderar usuários de drogas, construir o tratamento baseado num contrato terapêutico, sem imposição e sem ter a abstinência como exigência; e manter uma proporcionalidade entre punições, de modo a prevenir a marginalização.

Como os suíços receberam isso?

No início, apenas aquelas pessoas que se preocupavam diretamente com a marginalização de dependentes e os riscos fatais pelos quais eles passam pediam meios para proteger suas vidas, saúde e dignidade: os dependentes em si, suas famílias, a polícia e pessoas que moram e frequentam os entornos das chamadas “cenas de uso”. Mas, conforme os problemas e a eficácia da solução dada foram aumentando, uma grande parcela da população começou a manifestar seu apoio. Essa evolução foi construída à base de muita informação, evidências científicas e argumentos sólidos, introduzidos ao debate público por políticos, cientistas, artistas e até mesmo líderes religiosos. A experimentação responsável com prescrição do uso medicinal de heroína e o monitoramento dessa empreitada e das salas de uso seguro explicam o grande apoio popular dado a essas medidas.

Além da redução de danos, a estratégia suíça inclui uma forte repressão ao crime organizado, certo?

A chamada “estratégia de quatro pilares”, a dizer: prevenção, tratamento, redução de danos e repressão; ainda destina recursos públicos em excesso ao último pilar, da repressão, por considerar o uso e a posse de drogas para uso pessoal como crime. Acontece que a repressão de ofensas pequenas é inútil e causa mais mal do que bem. Precisamos priorizar a luta contra lavagem de dinheiro e corrupção; e, para frear os grandes operadores internacionais do mercado ilegal, é central a cooperação de todos os estados impactados por essas organizações criminosas.

Quais são as consequências da atual guerra às drogas?

Os pobres e vulneráveis sofrem com as piores consequências do atual regime internacional de controle das drogas e o impacto de sua implementação nos diferentes países. Indivíduos, comunidades e regiões inteiras vivenciam a violência, a erosão da democracia, a falta de acesso à saúde, incluindo medicamentos para alívio de dor, etc. Usar drogas é correr riscos, mas o dano causado por essas políticas meramente repressivas aumentam esses riscos.

E quais são as alternativas?

Reformas implementadas em diferentes países mostram que não há uma solução única para todos os casos, que vença os danos causados pelas políticas de drogas equivocadas. É importante identificar qual a fonte do maior dano: está no encarceramento em massa de pessoas que fizeram mais mal a si do que a outros? Está nas mortíferas taxas de contaminação e overdose? Está na insegurança de comunidades inteiras, que se veem presas no meio da frente de combate? Está no trabalho forçado - uma violação de direitos humanos -, na tortura? Idealmente, os governos cuidariam de todos os problemas ao mesmo tempo. Mas, na prática, eles tem que escolher os mais drásticos. Para mim, o objetivo deve ser, no final das contas, chegar a um pacote que priorize a saúde, garanta a todos acesso a medicamentos básicos, descriminalize o consumo, renuncie ou reduza o nível da repressão a pessoas exploradas pelo crime organizado como agricultores, mulas e microtraficantes, evite a militarização da guerra às drogas e, finalmente, permita aos Estados controlarem o que hoje se encontra sob o comando de organizações criminosas. Isso implica na regulação do mercado com diferentes níveis de restrições de acordo com o risco potencial apresentado por cada substância.

Como o preconceito contra usuários afeta a sua recuperação?

A repressão e o preconceito contra usuários de drogas priva-os do acesso à serviços de saúde, à moradia e ao emprego e contribui para que percam autoestima. As consequências ainda impactam suas chances de recuperarem-se: eles realmente correm perigo de se isolar cada vez mais da sociedade e entrar em uma crescente espiral de condutas autodestrutivas.

Estados dos EUA têm avançado em direção à descriminalização da maconha. Isso tem algum impacto no resto do mundo?

O país que mais promovia as convenções internacionais e sua implementação agora fala em flexibilizar sua interpretação. Esse novo discurso visa preservar o edifício jurídico, mas, na verdade, ele deixa claro que o consenso em torno da proibição acabou. Quebrou-se o tabu sobre a necessidade de reformas profundas.

Países desenvolvidos e em desenvolvimento podem lidar com as drogas do mesmo jeito?

Esses países podem ter prioridades diferentes, mas o êxito de tratamentos, de terapias substitutivas inclusivas e de medidas de redução de danos mostra que essas medidas podem ser implementadas por toda parte. Além delas estarem alinhadas aos princípios de direitos humanos, também economizam recursos que seriam gastos para sanar outras necessidades sociais que surgiriam em sua ausência.

No Brasil, o crack hoje é visto como “inimigo número 1” da sociedade quando se trata de drogas. A senhora acredita que o país está sabendo lidar com essa droga?

Sempre foi e será infrutífero pautar-se pela demonização de uma substância, porque isso leva a ignorar os fatores sociais e individuais que geram o consumo. Geralmente, a droga vista como o “inimigo público numero um” é aquela usada pelos mais vulneráveis, as pessoas que pertencem a comunidades marginalizadas, minorias raciais, migrantes etc. Sob o álibi da luta contra essa droga, essas pessoas são ainda mais marginalizadas. Você lembra do crack nos Estados Unidos? Seu combate puniu muito mais os negros do que os brancos, que usavam “cocaína branca”.

Qual a importância de o governo brasileiro apoiar iniciativas locais relacionadas à redução de danos?

Apoio a iniciativas locais seria uma prática chave para dar início a uma política mais humana e eficiente, baseada no respeito a todos os cidadãos. Assim, também se demonstraria que o governo está ciente do alto nível de consumo de drogas no país e das falhas existentes na política de repressão.

Como avalia a posição do Brasil em negociações internacionais relacionadas às drogas?

A voz do Brasil é bastante fraca. Outros países da Europa e da América Latina são bem mais presentes e influentes. Isso se dá pelo debate interno ainda polarizado. Mas isso não impediu outros países de avançarem na arena internacional, enquanto o panorama interno ainda se encontra atravancado. Em certas sociedades, foram as cortes supremas que deram o primeiro passo. O Supremo Tribunal Federal poderia fazer o mesmo no Brasil e tirar o consumo de drogas da esfera criminal. Isso permitiria que o país tivesse numa posição mais à vontade no debate internacional.

Que avanços a Comissão Global de Política sobre Drogas conquistou desde a sua criação?

O primeiro relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas desejava apenas quebrar o tabu e dar início a um debate internacional e nacional, pautado em evidências, sobre as consequências da guerra às drogas. Seis anos depois, não só temos esse debate ocorrendo, mas importantes passos já foram tomados para reformar a política de drogas tanto nacional quanto regionalmente. O pacote que apresentamos no quarto relatório agora disponível em português (ver link na postagem anterior), não é mais considerado um sacrilégio.

A senhora foi a primeira mulher eleita presidente na Suíça. Qual o impacto de mulheres ocuparem importantes cargos nas políticas de gênero?

Mais mulheres na política são uma amostra de avanços democráticos e de que estamos, pouco a pouco, pondo fim a um desperdício de capacidades humanas e experiências. Nesse sentido, beneficia a todos. Eu e outras mulheres pioneiras, que já chegamos a essas posições de liderança, estamos mais do que dispostas a abrir ainda mais a porta para as que estão chegando agora. Agora a nova geração já tem em quem se espelhar e pode exigir soluções pragmáticas para tornar o sonho das oportunidades iguais realidade.

O que a Suíça tem a ensinar ao Brasil sobre igualdade de gênero?

A Suíça está longe de ser exemplar no quesito igualdade de gênero, basta lembrarmos que o direito feminino ao voto e ser eleita foi conquistado há apenas 45 anos. Mas aprendemos, nesse espaço de tempo, que acabar com preconceitos em nosso arcabouço jurídico não equivalia a acabar com ele no cotidiano. A luta contra a pobreza e a violência, o acesso a contraceptivos e a promoção da educação são os melhores instrumentos da luta pela igualdade de gênero.



domingo, 12 de abril de 2015

"DOMÍNIO PÚBLICO"


O controle social brasileiro, por meio do Estado Penal, também adotou as lógicas da "guerra" e do "inimigo interno" em restabelecimento de uma ordem supostamente perdida, mas que, paradoxalmente, necessita ser conservada. Atualmente, a produção subjetiva da insegurança é apoiada por uma criminologia de cunho positivista, que buscou identificar de forma objetiva e asséptica biologicamente, os negros, ou socialmente, os pobres, como potenciais delinquentes; a figura do homem jovem, negro e pobre personifica os critérios atuais de ameaça (BICALHO; REISHOFFER, 2009).
O recorte é feito e o olhar da repressão é recrudescido para os crimes que atentam, obviamente, contra o patrimônio, mas principalmente aos que se referem ao varejo das drogas. Sob a insígnia da "guerra contra as drogas", tem-se empreendido em larga escala a criminalização das populações que moram nas favelas, onde todos são considerados suspeitos por morar em áreas de domínio e/ou influência do tráfico varejista, áreas identificadas como o principal foco e difusoras da violência em toda cidade (CARVALHO; DIAS; RIBEIRO, 2008). Então, segundo esta lógica, "aqueles que estão numa área residencial onde ocorre uma incursão classificada como 'missão perigosa' são considerados suspeitos e representam perigo à integridade física dos policiais e à sociedade. São percebidos, dessa forma, como inimigos e, de acordo com uma lógica de guerra, devem ser 'eliminados'" (BICALHO; JAGEL; REBEQUE, 2008, p. 420). A ordem social não está caracterizada então como a efetiva consolidação das mínimas condições de cidadania para todos, mas sim, como defesa do direito de consumo de alguns.
Então, agora não mais aos comunistas como nos tempos de ditadura, mas aos jovens pobres das periferias, serão atribuídas características como "perigosos" e "infratores", como se fossem pertencentes à sua natureza. Tais "características naturais" viriam a justificar a adoção de medidas extremadas de controle social e repressão destes que entendidos como "classes perigosas" dentro de uma sociedade que ainda busca consolidar suas bases democráticas. Pois, como afirmará Bicalho (2009):

"Perigosas porque pobres, por desafiarem as políticas de controle social no meio urbano e, deste modo, mobilizam os mais diferentes setores da sociedade, como a família, a escola, o trabalho e a polícia, que indicam e orientam como todos deveriam se comportar, trabalhar, viver e morrer. [...] A modernidade exige cidades limpas, assépticas, onde a miséria - já que não pode mais ser escondida e/ou administrada - deve ser eliminada. Eliminação não por sua superação, mas pelo extermínio daqueles que a expõem incomodando os 'olhos, ouvidos e narizes' das classes mais abastadas" (p. A15).   

(Trecho da Dissertação de Mestrado em Psicologia de Jefferson Cruz Reishoffer intitulada "A Psicologia no Presídio Federal - Dos pareceres técnicos às produções de 'alta periculosidade'", orientada pelo Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho - Rio de Janeiro, UFRJ, 2015)







sexta-feira, 10 de abril de 2015

Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar

Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar

O País é o segundo que mais prendeu em 15 anos, mas continua sendo recordista mundial de homicídios
por André Barrocal publicado 02/03/2015 04:31, última modificação 03/03/2015 09:59 
 
O mineiro A.M.P. foi preso em flagrante em 2013 ao tentar furtar uma moto no Rio de Janeiro. Dois anos antes, entrara em vigor uma lei que estimula os juízes a aplicar penas alternativas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica ou o pagamento de fiança. A ordem de prisão, supunha-se, deveria ficar reservada a situações mais graves. Para A.M.P., não adiantou. Por ser réu primário e não ter antecedentes, a promotoria sugeriu uma punição inicial branda, mas a juíza condenou-o a 12 meses de prisão preventiva, sob o argumento de evitar ameaças à sociedade, até a decisão final sobre o caso. 
O rapaz foi solto em 2014 e hoje mora em local incerto, o que impede sua intimação para um julgamento no qual o Ministério Público propõe anular todo o processo.

A história de A.M.P. é ilustrativa de uma epidemia que tomou conta do Brasil nos últimos anos. O País ficou viciado em prender e faz pouco caso de outras soluções, talvez mais produtivas e inteligentes, situação que já causa desconforto em autoridades. Entre delegacias e presídios, os cárceres brasileiros amontoavam 581 mil detentos em dezembro de 2013, último dado oficial disponível. Segundo estimativas extraoficiais, no fim de 2014 esse total já havia ultrapassado os 600 mil, entre condenados e réus à espera de julgamento. É a quarta maior população prisional do planeta, atrás de Estados Unidos, China e Rússia. E cresce em ritmo alucinante. De 1995 a 2010, subiu 136%, porcentual abaixo apenas daquele registrado na Indonésia (145%). No ritmo atual,
o Brasil chegará ao bicentenário de sua independência com 1 milhão de reclusos.

O que para alguns parece boa notícia não justifica festejos. O fantasma da cadeia como punição não tem conseguido conter os assassinatos, o crime mais danoso que se pode cometer. O País é recordista mundial em homicídios, cerca de 60 mil por ano. O número só aumenta, apesar do encarceramento massivo. Foram 37 mil mortes em 1995, 45 mil em 2000 e 56 mil em 2012, último dado conhecido. “Estamos naturalizando o superencarceramento no Brasil e isso é preocupante. Prendemos muito e errado. O sistema não consegue se concentrar nos crimes contra a vida”, diz o diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Renato de Vitto.

Uma parcela ínfima, 12%, está presa por assassinato. O índice de resolução desse tipo de crime é ridículo, entre 5% e 8% dos casos. O latrocínio, roubo com morte, representa 3%. O grosso da massa carcerária é formado por criminosos menos agressivos. Roubo e tráfico de drogas representam cada um 26%. Há ainda 14% por furtos (roubo sem violência) e 20% de casos considerados leves. 

O sistema é um sumidouro de verbas. Entre presídios e unidades socioeducativas, em 2013 foram gastos 4,9 bilhões de reais, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A despesa média com cada preso, informa o Depen, situa-se entre 2,5 mil e 3 mil reais por mês (valor aproximado do investimento anual com alunos da rede pública).

Os gastos não dão conta, porém, da sanha encarceradora. São necessárias 216 mil vagas novas para acomodar em condições decentes a massa hoje presa. Sem isso, assistem-se à superlotação das cadeias e a um ciclo vicioso. Do jeito que as cadeias brasileiras estão – lotadas, sem controle do poder público e entregues ao domínio do crime organizado –, não resta dúvida, dali ninguém sai melhor, só pior. “Presídio é um ambiente criminógeno. Prender deveria ser exceção, não regra”, defende o juiz Luís Geraldo Sant’ana Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça. “O sistema é medieval. Nele não existe nenhuma possibilidade de ressocialização”, afirma Maria Laura Canineu, diretora no Brasil da Human Rights Watch, entidade que há um mês divulgou um relatório sobre a caótica situação no País.

O complexo penitenciário de Curado, no Recife, é o exemplo mais recente do risco de o encarceramento lotar as cadeias e estas se transformarem em escolas de crime. O governo de Pernambuco enfrenta uma rebelião desde o início do ano, motivada pela superlotação. O local tem capacidade para 2 mil detentos, mas abriga quase 7 mil. Na fúria intramuros, não faltaram foices, facões e barbárie. O preso Marco Antonio da Silva, de 52 anos, foi decapitado pelos colegas.

É sintomático que a crise tenha eclodido em Pernambuco. O estado apostou nas prisões em massa no combate ao crime. Sob o comando do falecido Eduardo Campos, criou-se o programa Pacto Pela Vida, para coibir assassinatos. De lá para cá, a população carcerária triplicou. Soma hoje 31 mil. Suas cadeias aguentam, porém, não mais que 11 mil detentos. A situação ficou tão crítica que o governo tem repensado sua estratégia. “É importante adotarmos mais as penas alternativas, para os jovens não serem capturados por quadrilhas nos presídios”, especula Pedro Eurico, secretário estadual de Justiça.

A  tornozeleira eletrônica, de monitoramento por GPS, é uma opção. Segundo estimativas, 21 mil estão em funcionamento e outras 30 mil, prontas para uso. É uma opção mais econômica também. Custa 10% das despesas com encarcerados. Prisão domiciliar é outro caminho, percorrido por 147 mil presos. Uma lei de 2011 tentou estimular a aplicação de medidas alternativas. Em vão, pelo que indicam as estatísticas.

A explicação talvez esteja na “cultura do encarceramento”, apontada recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, como um dos “problemas mais sérios” do Judiciário. Nunca um chefe da mais alta Corte do País havia se pronunciado assim sobre o tema, nem perante colegas de toga. A manifestação pública deu-se no lançamento de um programa-piloto que tentará “quebrar” essa “cultura”.

Desde a terça-feira 24, o Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, o maior da América Latina, passou a realizar as chamadas audiências de custódia. Presos em flagrantes têm de ser levados pela Polícia Civil a um juiz em até 24 horas após a detenção. Normalmente o suspeito espera em uma delegacia de 100 a 120 dias, antes do tête-à-tête em São Paulo. Nas audiências, uma equipe de nove juízes faz uma primeira triagem. Com base nos antecedentes do acusado, no relato da polícia e na versão do preso, decide se há razões para uma prisão até o processo ser julgado ou se podem ser aplicadas alternativas. O procedimento está previsto em tratados internacionais e busca prevenir sobretudo a tortura. Um efeito colateral positivo poderia ser o desestímulo ao encarceramento. Ao menos na expectativa de Lewandowski, pois a decisão não será tomada só com base em papéis.

Uma experiência pioneira no Maranhão levada adiante após a crise em Pedrinhas, no verão passado, sugere que a iniciativa pode dar algum resultado. Relatório concluído em janeiro contém um balanço de 84 audiências realizadas entre outubro e dezembro. Desse total, 48,8% terminaram sem ordem de prisão. Para o juiz autor do relatório, Fernando Mendonça, o resultado foi positivo. Como as prisões maranhenses estão dominadas pelo crime organizado, é benéfica a seletividade no encarceramento e a separação entre quem é perigoso e quem praticou um crime ocasional ou episódico. Se as audiências forem adotadas como regra no País, escreveu Mendonça, “ficará para trás o estigma das prisões abundantes, inúteis e de qualidade técnica duvidosa”.
Gráfico
 
Nem tudo é otimismo. Responsável por implantar o projeto em São Paulo, a juíza Márcia Helena Bosch, da Corregedoria do Tribunal de Justiça, vê um “equívoco” na ideia de que a audiência de custódia vai agir para esvaziar cadeia, pois há “um problema muito grave de criminalidade”. “A audiência de custódia tem sido vendida como uma panaceia para o encarceramento e isso não é verdade”, concorda Paulo Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária. Ele aponta, porém, outra razão: o conservadorismo de toga. “Os mesmos juízes que hoje prendem provisoriamente e condenam por motivos absurdos são os mesmos que estarão na audiência.”

A opção pelas prisões em massa remonta aos anos 80 e 90, em linha com uma tendência mundial. A ideia de recuperação dos criminosos enfraqueceu-se, em boa medida, por causa de iniciativas surgidas nos Estados Unidos, a exemplo da política de tolerância zero. Venceu a “linha-dura”, defensora da segregação de quem comete um delito. Para Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em criminologia, apesar de seguir uma tendência mundial, o encarceramento massivo no Brasil tem suas peculiaridades, a começar pelo foco em crimes contra o patrimônio (furtos, roubos) e drogas. “O aumento do encarceramento aumenta a violência, todos os estudos mostram isso.”

Segundo o acadêmico, uma medida imediata de desafogo das prisões deveria ser a descriminalização da posse de drogas, como acontece em Portugal há anos, no estado norte-americano do Colorado desde 2014 e no Uruguai a partir deste. A lei em vigor, de 2006, foi um dos principais combustíveis do abarrotamento das cadeias. Desde sua edição, somaram 100 mil as prisões por tráfico.
A lei atual criminaliza o uso, embora não chegue a prescrever punição com cadeia nestes casos. Determina advertências sobre os malefícios, prestação de serviços comunitários e a participação em cursos educativos. O problema é existir uma linha tênue de interpretação entre quem é usuário e quem é traficante, riscada pelo policial, primeiro, e pelo juiz, depois. É bem mais comum o enquadramento como traficante, crime para o qual a pena é a de reclusão.
Gráfico
A história do publicitário gaúcho Alexandre Thomaz é um exemplo desse rigor excessivo. Em 2002, ele descobriu um câncer na garganta. Deixou de sentir sabores, perdeu a fome e peso. Por conselho médico, descobriu na internet que a maconha estimula o apetite. Plantou pés de cannabis em um sítio. Em 2009, graças a uma denúncia anônima, foi preso como traficante. Está em liberdade, mas responde a processo por tráfico e pode pegar de 5 a 15 anos. “Os cidadãos não sabem o que é tráfico. Têm uma imagem a respeito, mas não sabem o que se encarcera como tráfico no Brasil”, explica Carvalho.

Essa mistura da imagem entre usuário e traficante tem alguns responsáveis, entre eles a mídia, que estimula o clima de medo alimentador das políticas públicas de encarceramento em massa. O papel de jornalistas no tratamento da criminalidade dispensado por governos, tribunais e parlamentares mereceu um estudo em 2012 na Fundação Escola do Ministério Público do Paraná. O trabalho intitula-se “A influência da mídia no processo penal brasileiro e seus reflexos no julgamento dos crimes” e deixa os meios de comunicação em maus lençóis, especialmente aqueles programas “pseudojornalísticos” na linha Ratinho, Datena e congêneres.

O autor do estudo, Fernando Michalizen, analisou uma série de leis aprovadas no Congresso e identificou, quase sempre, algum escândalo midiático por trás. Dois casos relatados: a Lei de Crimes Hediondos surgiu em 1990 após uma onda de sequestros de figurões, incluídos aqueles dos empresários Roberto Medina e Abilio Diniz, noticiados sem trégua dia e noite. Quatro anos depois, o Congresso incluiu na lista de crimes hediondos o homicídio qualificado, resultante da intenção de matar. Motivo? O assassinato em 1992 da atriz global Daniela Perez por um colega de novela.

A tentativa de mudar a Lei de Crimes Hediondos para moderar a onda encarceradora caiu, ela mesma, na armadilha midiática, segundo o estudo. Em 2004, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, defendeu a revisão da lei, que lista uma série de crimes que podem ser chamados de “os piores” para os brasileiros. Homicídio doloso, latrocínio, estupro e extorsão mediante sequestro ou seguida de morte, entre outros. Para estes, a lei de 1990 não admitia nem redução da pena após certo tempo de cadeia. Bastos defendia o combate à cultura do encarceramento e o desafogo dos presídios. Foi alvejado pela mídia, segundo Michalizen, que enxergou no noticiário uma predileção por mostrar o ministro como alguém disposto a soltar milhares de criminosos.

A cultura do medo disseminada pelos meios de comunicação é só um dos obstáculos ao debate do encarceramento massivo. E não só no Brasil. Ministro da Corte Suprema da Argentina e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal, Eugenio Raúl Zaffaroni acredita que o mundo moderno no fundo gosta da situação. As sociedades atuais são excludentes e precisam se livrar dos indesejados. Sistema prisional que não recupera ninguém e parece um matadouro ou uma universidade do crime seria o bueiro perfeito. As elites políticas e econômicas não sujam as mãos. “Quanto mais se matem os pobres, melhor. Esse é o programa das sociedades excludentes”, resume Zaffaroni.

Colaborou Marcelo Pellegrini

*Reportagem publicada originalmente na edição 838 de CartaCapital, com o título "Se cadeia resolvesse..."  http://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-resolvesse-4312.html
Juiz pede socorro

Cansado de ver tribunal ‘de joelhos diante de réus a troco de orçamento’, juiz quer intervenção: processos contra autoridades desaparecem ou acabam no ‘limbo jurídico’.

Na semana passada chegou à mesa da corregedora nacional de Justiça, Nancy Adrighi, uma correspondência incomum: cinco sindicatos estaduais de servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário pediram que o Conselho Nacional de Justiça determine “com urgência” uma devassa no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. É o segundo requerimento de investigações sobre supostos atos criminosos no Judiciário capixaba, nos últimos vinte dias.
A denúncia inicial partiu de um juiz. Em cartas à presidência e à corregedoria local, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa descreveu a “realidade sombria” da instituição, que “parece ter sido ‘projetada’ para impedir que certos processos tenham tramitação”.
Feu Rosa conhece como poucos a corte estadual, que já presidiu. Convive com ameaças. A mais recente chegou envelopada na tarde de sábado, 14 de março à sua casa, em Vitória. Avesso à escolta, mantém a rotina de passeios matinais e missa aos domingos. Por hábito, expõe no gabinete de trabalho a relação dos processos recebidos, com respectivas datas de entrada.
Não há um único preso por corrupção nas celas capixabas. No entanto, sobram processos: “Não são um ou dois, mas dezenas. E praticamente todos arrastam-se há anos, com pouco andamento e sem julgamentos” — registrou nas cartas. “São pessoas acusadas de desviarem milhões dos cofres públicos (...) Os anos se passam e os processos seguem em uma espécie de ‘limbo jurídico’, aguardando o dia — humilhante para uma instituição — da prescrição.”
Processos contra autoridades “desaparecem”, escreveu. “Confira-se: sou desembargador há 20 anos, presidente de Câmara Criminal, e nem assim consigo saber onde estão, e em qual estado, processos relativos a não uma, mas quatro operações policiais de ampla envergadura — três da Polícia Civil e uma da Polícia Federal.”
“Fui relator daquela deflagrada pela Polícia Federal”, prosseguiu. “Há uma gravação, no inquérito, de um senhor que se apresenta como ‘organizador da fila de licitações’. Diversos municípios são mencionados de forma clara e inequívoca. Pois bem: já se passaram quase dois anos, e sequer consigo saber onde estão os processos!”
“As denúncias contidas nestas quatro operações são gravíssimas, envolvendo desde corrupção até narcotráfico. E onde estão os processos? (...) É possível que não exista ‘fila de licitações’ ou sequer um dos atos de corrupção apontados. Sim, pode ser que não exista mesmo um corrupto sequer aqui no Espírito Santo — mas que se dê, até mesmo em benefício dos acusados, uma resposta. Eis o que peço enquanto juiz e cidadão: que o Poder Judiciário dê uma resposta!”
Aos 48 anos, Feu Rosa se diz cansado de ver o Judiciário “tantas vezes de joelhos diante de réus a troco de orçamento”. A omissão, escreveu, “custa caro à população, desestimula os bons políticos, assusta os investidores, custa vidas, dadas as consequências dos escandalosos níveis de corrupção registrados.”
Ele sugeriu a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. O conselho é responsável constitucional pelo controle e transparência do Judiciário, mas tem sido gradualmente desidratado pela reação conservadora de parte da cúpula judicial. O caso do Espírito Santo é novidade nesse cenário: um juiz pede socorro para fazer a Justiça funcionar.

JOSÉ CASADO


quarta-feira, 8 de abril de 2015

Evento “68: a geração que queria mudar o mundo”

Inscrições aquiEvento68: a geração que queria mudar o mundoque se realizará no dia 14 de abril de 2015, das9h às 12h00, no Auditório Nelson Ribeiro Alves, sito na Avenida Erasmo Braga, 115 -  4º andar, Centro – RJ