Juiz pede socorro
Cansado de ver tribunal ‘de joelhos diante de réus
a troco de orçamento’, juiz quer intervenção: processos contra autoridades
desaparecem ou acabam no ‘limbo jurídico’.
Na semana passada chegou à mesa da corregedora
nacional de Justiça, Nancy Adrighi, uma correspondência incomum: cinco
sindicatos estaduais de servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário pediram
que o Conselho Nacional de Justiça determine “com urgência” uma devassa no
Tribunal de Justiça do Espírito Santo. É o segundo requerimento de investigações
sobre supostos atos criminosos no Judiciário capixaba, nos últimos vinte dias.
A denúncia inicial partiu de um juiz. Em cartas à
presidência e à corregedoria local, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa
descreveu a “realidade sombria” da instituição, que “parece ter sido ‘projetada’
para impedir que certos processos tenham tramitação”.
Feu Rosa conhece como poucos a corte estadual,
que já presidiu. Convive com ameaças. A mais recente chegou envelopada na tarde
de sábado, 14 de março à sua casa, em Vitória. Avesso à
escolta, mantém a rotina de passeios matinais e missa aos domingos. Por hábito,
expõe no gabinete de trabalho a relação dos processos recebidos, com
respectivas datas de entrada.
Não há um único preso por corrupção nas celas
capixabas. No entanto, sobram processos: “Não são um ou dois, mas dezenas. E
praticamente todos arrastam-se há anos, com pouco andamento e sem julgamentos” —
registrou nas cartas. “São pessoas acusadas de desviarem milhões dos cofres públicos
(...) Os anos se passam e os processos seguem em uma espécie de ‘limbo jurídico’,
aguardando o dia — humilhante para uma instituição — da prescrição.”
Processos contra autoridades “desaparecem”,
escreveu. “Confira-se: sou desembargador há 20 anos, presidente de Câmara
Criminal, e nem assim consigo saber onde estão, e em qual estado, processos relativos
a não uma, mas quatro operações policiais de ampla envergadura — três da Polícia
Civil e uma da Polícia Federal.”
“Fui relator daquela deflagrada pela Polícia
Federal”, prosseguiu. “Há uma gravação, no inquérito, de um senhor que se
apresenta como ‘organizador da fila de licitações’. Diversos municípios são
mencionados de forma clara e inequívoca. Pois bem: já se passaram quase dois
anos, e sequer consigo saber onde estão os processos!”
“As denúncias contidas nestas quatro operações são
gravíssimas, envolvendo desde corrupção até narcotráfico. E onde estão os
processos? (...) É possível que não exista ‘fila de licitações’ ou sequer um
dos atos de corrupção apontados. Sim, pode ser que não exista mesmo um corrupto
sequer aqui no Espírito Santo — mas que se dê, até mesmo em benefício dos
acusados, uma resposta. Eis o que peço enquanto juiz e cidadão: que o Poder
Judiciário dê uma resposta!”
Aos 48 anos, Feu Rosa se diz cansado de ver o
Judiciário “tantas vezes de joelhos diante de réus a troco de orçamento”. A
omissão, escreveu, “custa caro à população, desestimula os bons políticos,
assusta os investidores, custa vidas, dadas as consequências dos escandalosos níveis
de corrupção registrados.”
Ele sugeriu a intervenção do Conselho Nacional de
Justiça. O conselho é responsável constitucional pelo controle e transparência
do Judiciário, mas tem sido gradualmente desidratado pela reação conservadora
de parte da cúpula judicial. O caso do Espírito Santo é novidade nesse cenário:
um juiz pede socorro para fazer a Justiça funcionar.
JOSÉ CASADO
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