"(...) o método adotado pelo CAPS-AD é mais
eficiente e mais comprometido com resultados a longo prazo do que as
internações forçadas, uma medida emergencial inútil."
http://m.jb.com.br/rio/noticias/2012/10/25/caps-combate-o-crack-de-forma-eficaz-sem-internacao-compulsoria/
L.,
um homem de 44 anos, mudou-se de Bonsucesso, Zona Norte do Rio, para a
calçada defronte ao Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas
Centra-Rio, localizado em Botafogo, na Zona Sul carioca. Fez isto em
busca do tratamento da sua dependência do crack e da cocaína, uma vez
que por conta do vício perdeu o emprego, a família e não dispõem de
dinheiro para a passagem que o levaria a Botafogo.
O tratamento
que L. busca de forma extremada é oferecido gratuitamente por órgão
público que rejeita a política da internação compulsória que o prefeito
Eduardo Paes está adotando no Rio. No lugar de internar compulsoriamente
qualquer dependente que seja, os CAPS-AD trabalham com a política de
Redução de Danos.
Assim como L., pai de três filhos, dezenas de
pessoas mudaram sua rotina na tentativa desesperada de buscar ajuda para
se livrar da dependência química. Todos estimulados por conhecidos que
encontraram a saída para as drogas no tratamento oferecido por estes
CAPS-AD, unidades financiadas pelo Ministério da Saúde, desde 2002.
Escondendo o usuário
A
política diferencia-se da internação forçada de usuários de crack que
já vigora para crianças e adolescentes, e que o prefeito insiste em
estender. Nesta quinta-feira (25) ele, em Brasília, obteve o apoio do
ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
A opção da Prefeitura do Rio
é classificada como "higienista" por especialistas em dependência
química. "O que se vê hoje na cidade do Rio é uma política de
higienização. Só estamos discutindo o crack porque há usuários desta
droga espalhados pelas ruas. Com a internação compulsória, a intenção é
tirá-los da visibilidade. E isto não deveria acontecer, porque é
ineficaz", desabafou a psicóloga Silvia Tedesco, que há 20 anos lida com
dependentes químicos.
O
tratamento oferecido pelos CAPS-AD baseia-se na liberdade e na política
de redução de danos. A proposta, que popularizou-se no Brasil durante a
década de 70, consiste em terapia intensiva para dependentes químicos
com a finalidade de fazer com que cheguem à abstinência. Ou seja, se a
abstinência não for alcançada, há redução da quantidade de drogas
usadas. Sem tratamento de choque como a internação, os usuários
conseguem manter uma vida normal e chegam até a conciliar a terapia com
trabalho e estudo.
O método, baseado no atendimento ambulatorial
com equipe multidisciplinar (psicólogos, psiquiatras, assistentes
sociais e clínicos gerais) é, segundo dados da Organização Mundial da
Saúde, o que mais funciona na recuperação dos dependentes químicos.
Internações e recaídas
Pelo
tratamento, o uso da droga não é proibido logo que iniciado. Antes pelo
contrário. A psicoterapia leva o usuário a abandonar a droga por si só.
Os resultados obtidos com este tipo de tratamento no mundo, segundo a
OMS, podem chegar a 35%. A internação (voluntária ou à revelia), por sua
vez, no máximo tem recuperado 10% dos pacientes. Outros 90% dos
internados sofrem recaídas logo após a alta.
Usuário de álcool
desde 12 anos e de cocaína por 22, Z.R, de 44 anos, não imagina sua vida
longe do tratamento diário do CAPS-AD. Os Centros oferecem não apenas o
atendimento ambulatorial, mas também oficinas de terapia ocupacional e
refeições. Só não há permissão para pernoitar.
"Aos poucos estou
abandonando a cocaína e já não uso mais álcool. Já estive internado, mas
não adiantou absolutamente nada. Assim que saí da clínica, bateu uma
vontade forte de voltar a usar droga. Não resisti. Caí em tentação e o
período que passei internado não resolveu o problema", contou ele. "Eu
quero parar e tenho certeza de que vou conseguir. Mas não dá para ser um
tratamento de choque como a internação, as coisas têm que acontecer aos
poucos", diz o dependente, que não vê com bons olhos a internação
compulsória. "Se funcionasse, tudo bem, mas não funciona".
O
pintor L., o ex-morador de Bonsucesso, decidiu procurar ajuda depois de
ficar desempregado. "Não tenho dinheiro para vir de Bonsucesso para
Botafogo me tratar. Então, passo a semana dormindo na calçada do
CAPS-AD. Tudo pelo meu tratamento", destaca o usuário que já foi
internado duas vezes.
"Limpo" há dois anos, o estudante S., 41
anos, conta que chegou ao CAPS-AD por intermédio de um conhecido, quando
viu que depois de aderir ao uso de crack não tinha saída sem ajuda:
"Desde
12 anos eu usava todo tipo de droga que se possa imaginar, mas depois
que aderi ao crack cheguei ao fundo do poço. É uma droga muito mais
rápida que as outras. Já trafiquei e roubei para comprar pedras",
confessa. "Quando tomei consciência de que a minha vida estava piorando
muito mais a cada dia, aceitei a ajuda de um amigo para conhecer o
CAPS-AD e estou aqui há dois anos", conta o carioca, que participa de
concursos de marchinha de carnaval e voltou a estudar há um ano e seis
meses.
Política higienista
Com experiência de quase
20 anos no tratamento de dependentes químicos, a psicóloga Sílvia
Tedesco classifica a medida anunciada pelo prefeito Eduardo Paes como
"higienista" e "despreocupada com a saúde dos dependentes químicos".
Para
ela, o método adotado pelo CAPS-AD é mais eficiente e mais comprometido
com resultados a longo prazo do que as internações forçadas, que encara
como uma medida emergencial inútil.
"O tratamento ambulatorial é
comprometido com o resgate daquele ser. Há uma tentativa de resgate das
relações familiares. É diferente do imediatismo de se internar todos os
usuários de crack para limpar as ruas. A preocupação não tem que ser
com as ruas, mas com as pessoas", diz. "A Prefeitura deveria ampliar os
CAPs para ter um bom resultado a longo prazo. Mas fazer melhor dá mais
trabalho, né?", indaga.
Experiência em São Paulo
Professor
do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Programa de Orientação e
Assistência a Dependentes (Proerd), da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo, Dartiu Xavier da Silveira aponta os
ganhos da adoção da redução de danos para a saúde pública do país.
"O
usuário que não consegue ficar abstinente não vai parar de usar a
droga. E este grupo que não consegue largar é maioria. O máximo que se
pode conseguir, para alguns, é diminuir o uso. Assim, muitos dependentes
conseguem ter uma vida normal apesar da droga. É como o bordão 'dos
males, o menor' ", explica.
O programa coordenado por Dartiu
atende 700 dependentes químicos por mês e está vinculado à Prefeitura de
São Paulo. Além do tratamento terapêutico, os cuidados com os
dependentes consistem também na distribuição de cachimbos higiênicos. A
intenção é evitar a proliferação de doenças como hepatite B e C, além de
HIV.
"Ao compartilhar cachimbos feitos de latinhas de alumínio ou
de outros materiais cortantes, os usuários acabam trocando entre si
inúmeras doenças. Com a distribuição de cachimbos higiênicos e
individuais, temos uma diminuição da problemática", diz o psiquiatra
Thiago Fidalgo, também integrante do Proerd.
marialuisa.melo@jb.com.br
Postado por Rebecca Dalfior Signorelli
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